terça-feira, 6 de novembro de 2012

O expresso de sempre


   Estou em plena sexta-feira de um belíssimo e ensolarado feriado, diante do computador, tentando escrever alguma coisa - 7 de setembro e nada de independência para mim.

   Tenho três artigos para entregar (...).

   Resolvi então sair um pouco. Deixei o notebook ligado em cima da mesinha, com uma página do Word em branco aberta e decidi pôr a cara no mundo. Olhei antes pela janela e as ruas pareciam daquelas cidades fantasmas de filmes de faroeste, nenhuma pessoa na calçada como de costume - grandes cidades costumam ser menos atraentes nos feriados, perdem feio para os litorais e se não fosse por um motivo de força maior, eu também não me renderia assim tão fácil ao limite de visão da janela do meu “apê”, mas eu tinha um compromisso e deveria cumpri-lo. Talvez um bom café me ajudasse a organizar as ideias e terminar logo com isso, ir até o outro quarteirão não seria uma viagem exatamente, eu voltaria logo.

   Tomei um banho rápido, peguei um vestido floral de alças finas no guarda-roupa, uma sapatilha de cor vermelha e uma gargantilha de ouro que ganhei da minha mãe no meu último aniversário, minha bolsa de mão feita em tecido, um batom cor de boca e já me senti pronta para enfrentar o mundo deserto e ensolarado fora daqui – algum tempo atrás e tudo isso seria coisa de mulherzinha, sempre fui tão básica e agora me preocupava em estar comportada e feminina, tudo fazia parte dessa nova fase.

   Já fora de casa eu me sentia vigiada apesar do silêncio das ruas, o vento parecia mais forte, sem obstáculos e avistei uns pouquíssimos transeuntes no bairro. Alguns acenos dos vizinhos pelas janelas e eu já percebia que não estava tão sozinha, outros sem-opção como eu, também teriam que ficar em casa, cada um por seus devidos motivos de força maior ou por vontade mesmo.

   Um bom café, num ambiente que não fosse a minha sala de estar, iria me animar. Fui caminhando, até algumas quadras de distância, onde tinha um bar-café famoso do bairro. Lá costuma ser movimentado nas quartas-feiras, quando funciona o karaokê para pessoas sem noção, em seguida shows com música ao vivo de bandas sérias locais. Nos feriados e nos finais de semana também aparece muita gente, mas o dono abre o estabelecimento todos os dias, mesmo que não entre ninguém.

   Era pouco mais do que 16 horas quando cheguei lá, conheço o lugar desde quando fui morar no bairro há alguns anos, é o único estabelecimento da cidade em que eu posso entrar e ficar a vontade porque todo mundo já me conhece e já tirou fotos comigo em algum momento do grande sucesso do livro.

   Entro lá e lembro de quando eu e o Dom resolvemos juntar nossos sonhos e nossos corpos num único apartamento. Foi ele quem decidiu onde iríamos morar, só por causa da proximidade com o Bar-Café do Lugi, que ele conheceu primeiro – sempre desbravador o Dom. Ele me apresentou ao dono, e lembro que rimos como dois adolescentes enquanto cantávamos no karaokê algum clássico da música popular brasileira que ele adorava – nunca fui muito de música antes de ele me apresentar a sua eclética coleção de discos e me fazer apaixonar por ela, depois me ensinar a tocar violão e gaita. Por coincidência, ao entrar no estabelecimento hoje, Elis Regina cantava alguma coisa para me recepcionar, de cara Sr Lugi acenou para mim, surpreso. Outras pessoas no lugar me reconheceriam quando ele me chamasse pelo nome com um sorriso enorme:

   _Melissa! Venha garota, você é a estrela do bairro, tem lugar especial no meu café. O expresso de sempre?

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